13 de nov de 2024 às 12:18
O arcebispo da Cantuária, Justin Welby, anunciou ontem (12) sua renúncia, ao dizer que assume “responsabilidade pessoal e institucional” pelo tratamento inadequado de uma série de casos de abuso de alto perfil na Igreja da Inglaterra e na confissão anglicana em outras partes do mundo desde que assumiu o poder em 2013.
“Espero que essa decisão deixe claro o quão seriamente a Igreja da Inglaterra entende a necessidade de mudança e nosso profundo comprometimento em criar uma igreja mais segura. Ao renunciar, faço isso em pesar com todas as vítimas e sobreviventes de abuso”, disse Welby, que foi eleito o 105º arcebispo da Cantuária em 2012. O arcebispo da Cantuária chefia a Igreja da Inglaterra, confissão fundada pelo rei Henrique VIII no século XVI, a Igreja Anglicana, como ela é chamada em outros países, e a Igreja Episcopal, como é chamada a confissão nos EUA.
Embora ele próprio não tenha sido acusado de abuso, Welby foi criticado por sua reação a uma série de casos de abuso na igreja chefiada por ele. Os pedidos para que Welby renunciasse foram liderados por vítimas de um notório abusador sexual em série: John Smyth.
Descobriu-se depois que Smyth, advogado de prestígio que foi voluntário em acampamentos de verão cristãos nas décadas de 1970 e 1980 e morreu em 2018, cometeu abusos físicos, sexuais e coerção psicológica contra mais de 100 meninos e rapazes em vários países.
Um relatório (link em inglês) de 253 páginas, escrito em 7 de novembro pelo revisor independente Keith Makin, fez uma acusação contundente sobre a forma como Welby lidou com o caso Smyth.
Segundo o relatório, Smyth cruzou o caminho de Welby no período em que Smyth cometeu abusos. Welby disse que os dois nunca foram próximos, apesar dos dois terem trocado cartões de Natal por um tempo e Welby ter feito pequenas doações para missões de Smyth no Zimbábue.
Outros oficiais da igreja teriam sido informados sobre os abusos cometidos por Smyth já em 1982. Em 2013, depois de assumir o cargo de arcebispo da Cantuária, Welby foi informado verbalmente sobre o abuso de Smyth, mas disse que erroneamente acreditou que a polícia e as autoridades locais foram informadas e decidiu não tomar nenhuma medida, diz o relatório.
O relatório também critica a própria Igreja da Inglaterra por não priorizar a proteção, apesar de ter políticas formais de proteção, ao dizer que a implementação dessas políticas era inconsistente e muitas vezes inadequada.
“Welby sugere que ele definitivamente teria sido ‘mais ativo’ se soubesse da seriedade dos delitos em 2013”, diz o relatório. “As evidências contidas neste relatório sugerem que havia informações suficientes para levantar preocupações ao ser informado em 2013”.
“Nossa opinião é que Justin Welby tinha uma responsabilidade pessoal e moral de levar isso adiante, quaisquer que fossem as políticas em jogo na época”.
Depois de um documentário sobre os abusos cometidos por Smyth lançado em 2017, Welby emitiu uma declaração e deu entrevistas nas quais disse estar preocupado com as vítimas, que sentiram que a resposta de Welby foi atrasada e não priorizou suas necessidades. Ele se encontrou com algumas vítimas em 2021 e emitiu um pedido público de desculpas em nome da igreja.
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Welby disse ontem que os pedidos de renúncia nos últimos dias depois do relatório Makin ser publicado “renovaram meu longo e profundo sentimento de vergonha pelas falhas históricas de salvaguarda da Igreja da Inglaterra”.
Ele pediu orações por sua mulher, Caroline, e seus seis filhos.
“Acredito que me afastar é do melhor interesse da Igreja da Inglaterra, que eu amo profundamente e que tive a honra de servir. Oro para que essa decisão nos aponte de volta para o amor que Jesus Cristo tem por cada um de nós”, concluiu o arcebispo anglicano.
Ao contextualizar ainda mais a renúncia de Welby, há um acerto de contas nos últimos anos sobre abuso infantil no Reino Unido, com uma investigação independente de 2022 (em inglês) que revelou falhas consistentes e generalizadas em várias instituições, incluindo a Igreja da Inglaterra, em proteger adequadamente crianças de abusos e da exploração sexual.
O relatório criticou a igreja por priorizar sua reputação em detrimento do bem-estar das crianças e por uma tendência a minimizar a gravidade das ofensas, e disse também que os acordos de proteção dentro da igreja estavam severamente carentes de recursos até 2015, quando os recursos foram significativamente aumentados sob a liderança de Welby.
Como chefe da Igreja da Inglaterra, Welby enfrentou considerável resistência de líderes anglicanos conservadores depois de presidir o órgão de governança da Igreja da Inglaterra no início do ano passado e votar a favor de abençoar uniões homossexuais.
A Sociedade do Sul Global de Igrejas Anglicanas (GSFA, na sigla em inglês) , que diz representar até 75% dos anglicanos do mundo, emitiu uma declaração na época que acusa a Igreja da Inglaterra de romper a comunhão com as províncias que permanecem fiéis a uma visão bíblica do casamento como sendo entre um homem e uma mulher. Debates sobre uniões homossexuais fervilharam dentro do anglicanismo por décadas, e a comunhão anglicana foi significativamente abalada em 2003, quando a igreja episcopal sediada nos EUA votou para ordenar um homem em uma união homossexual.
Em seu mandato, Welby participou de vários encontros e atividades ecumênicas com o papa Francisco.
No ano passado, o papa viajou com Welby e o moderador da Igreja da Escócia, Iain Greenshields, em uma “peregrinação de paz” ao Sudão do Sul. Ao encontrar-se com cerca de 2,5 mil refugiados sul-sudaneses em 4 de fevereiro do ano passado, os líderes protestantes uniram-se ao papa Francisco para uma bênção final aos participantes. Depois, eles apareceram juntos em um serviço de oração ecumênico que atraiu cerca de 50 mil pessoas.
Em janeiro deste ano, Welby celebrou uma liturgia anglicana na basílica católica de São Bartolomeu, localizada na ilha Tiberina, no rio Tibre, em Roma, como parte da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. Welby também celebrou as segundas vésperas da solenidade da Conversão de São Paulo com o papa Francisco na basílica de São Paulo Extramuros.
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