‘Sempre acreditei na minha libertação e o que me sustentava era a oração’, diz dom Rolando Álvarez

‘Sempre acreditei na minha libertação e o que me sustentava era a oração’, diz dom Rolando Álvarez

Em entrevista exclusiva, a primeira diante das câmeras de TV, o bispo de Matagalpa e administrador apostólico de Estelí, Nicarágua, dom Rolando Álvarez, falou à EWTN News sobre sua experiência um ano depois de ser libertado e chegar a Roma.

O bispo nicaraguense ficou detido em seu país por um ano e cinco meses, primeiro em prisão domiciliar e depois na prisão, acusado pelo regime do presidente Daniel Ortega de “conspiração” e “traição à pátria”, pelos quais foi condenado a 26 anos e quatro meses de prisão.

Dom Álvarez falou à correspondente Paola Arriaza sobre sua libertação na Nicarágua em janeiro do ano passado, que o bispo descreveu como “uma ação sobrenatural de Deus”, sobre sua recuperação física e mental, sobre sua relação com o papa Francisco e sua participação no Sínodo da Sinodalidade em outubro do ano passado.

Com fé inabalável e uma mensagem de esperança, dom Álvarez falou sobre seu passado na Nicarágua, seu presente na Cidade Eterna e seu compromisso contínuo com a Igreja universal.

EWTN: Dom Rolando Álvarez, o senhor chegou a Roma há um ano. Como tem sido sua vida aqui e que tarefas o papa Francisco lhe confiou?

Dom Rolando Álvarez : Bem, estou muito feliz em Roma porque todo o tempo em que estive preso pensei que, na época da libertação, depois da Nicarágua, a melhor cidade em que eu poderia viver era a Cidade Eterna. Justamente porque estou perto de Pedro e isso renova minha fé. Então tive um ano de recuperação, certamente da minha saúde em geral, mas no qual também alcancei a paz interior de que tanto precisava.

EWTN: Porque no dia em que o senhor partiu, o senhor deixou para trás seu país, o país onde o senhor cresceu quando criança. Conte-nos um pouco sobre sua infância em Manágua e não sei se a partir daí o senhor conseguiu vislumbrar sua vocação para o sacerdócio…

Dom Álvarez: Minha infância foi normal. Cresci numa família camponesa, trabalhadora e muito católica, com uma educação séria na fé, tanto que minha vocação era claramente visível desde a infância, porque eu brincava de ser padre. Claro que tive minhas namoradas, mas acho que essa mesma coisa me ajudou a discernir que o casamento não era meu caminho. De fato, quando cheguei a um ponto de maturidade, quis discernir bem meu processo conjugal, mas fiz isso ao contrário, porque quando estava na Guatemala comecei o caminho de discernimento vocacional no Seminário da Assunção e ali, naquele ano, percebi que o sacerdócio era minha coisa, que eu era chamado ao ministério sacerdotal.

EWTN: Como foi esse momento em que o senhor percebeu ou só foi mais um processo?

Dom Álvarez: Foi um processo, sim. Sempre digo que sou daqueles que vêm da rua porque não frequentei o seminário menor, mas depois de um ano de processo de discernimento, fui admitido diretamente no curso preparatório e depois em filosofia, sempre no Seminário da Assunção da Guatemala, porque foi onde começou meu processo de formação ministerial.

EWTN: Bem, e falando de sua ordenação sacerdotal, há uma peculiaridade: essa ordenação não foi em Roma. Como isso aconteceu?

Dom Álvarez: Bem, depois de fazer meu curso preparatório e estudar filosofia na Guatemala, lá pelos anos 1990, fui transferido para a Nicarágua para estudar no Seminário Interdiocesano de Nossa Senhora de Fátima e quando eu estava no segundo ano de teologia, o arcebispo cardeal Obando me ligou para me dizer que ele estava me enviando para estudar filosofia em Roma, na Pontifícia Universidade Gregoriana. Então, concluí minha formação filosófica e teológica especializada na Lateranense, enquanto estava em Roma, há 30 anos, e naquela época o reitor do Seminário Internacional João Paulo II, onde eu morava, propôs que o papa são João Paulo II me ordenasse padre. Mas com todo o amor que tenho pelo santo e de quem sou verdadeiramente muito devoto, escolhi ser ordenado pelo meu bispo na minha arquidiocese de Manágua, que é a diocese de origem, na catedral da Imaculada Conceição de Maria, com a minha gente, com o meu povo e entre os meus.

EWTN: O senhor não acha que isso demonstra grande carinho pelo seu povo, sua cidade, seu país?

Dom Álvarez : Bom, acho que sempre tive esse carinho. Lembro-me de uma piada interessante, e é que eu não peguei os lindos ornamentos que estão aqui em Roma, mas os fui encomendar a um fazendeiro da Nicarágua que os faz, ele é um técnico profissional nisso… e meus ornamentos são muito simples, eu acho anti-litúrgicos, porque nisso os liturgistas, ao me ouvirem, vão me criticar. Meus vasos sagrados eram feitos de madeira e eu ainda os guardo. Então sim, sempre tive esse apego à cultura, ao que é nosso, ao que é nicaraguense, ao que eu sou e de onde venho, o que não se deve esquecer.

EWTN: E seu trabalho pastoral também. Imagino que deve ter sido difícil deixar esse ministério pastoral e vir para Roma. Não sei se o senhor ainda faz esse tipo de trabalho pastoral.

Dom Álvarez: Bem, foi difícil para mim deixar o ministério pastoral quando eu era jovem, um rapaz, e entrar no seminário porque minha vida sempre foi muito intensa e eu já era o líder do ministério juvenil na arquidiocese de Manágua e então eu tinha muita atividade nos três departamentos que compõem a arquidiocese. Tínhamos uma estrutura juvenil grande e forte. Por exemplo, numa vigília de Pentecostes para jovens, reuníamos até 30 mil jovens numa noite inteira.

Era um completa festa no Espírito Santo. Desligar-me daquele ritmo de trabalho e assumir outro: o acadêmico, o disciplinar, o sistemático, o orgânico a nível humano, o pastoral a nível espiritual, a nível intelectual foi um pouco difícil para mim, mas com a ajuda dos meus diretores espirituais consegui canalizar minhas energias para o meu processo vocacional.

EWTN: E a mesma coisa deve estar acontecendo com o senhor aqui em Roma.

Dom Álvarez: Bem, eu lhe digo que é um pouco diferente, porque vim para Roma com a ilusão de rezar, orar e andar pelas ruas sendo feliz. Tanto que também pensei que na mesma semana da minha chegada eu renunciaria à minha diocese de Matagalpa e à administração apostólica de Estelí. Eu estava pronto para apresentar minha renúncia ao papa, mas me vi diante da bondade de Deus e do Santo Padre, que querem que eu continue sendo o ordinário de Matagalpa e o administrador apostólico de Estelí, mesmo estando na diáspora. Não chamo isso de exílio porque não estou exilado, estou liberto. Não me sinto exilado, mas liberto. E na diáspora. Na diáspora, a fé sempre cresce e a esperança é fortalecida.

EWTN: Então, naquele dia em que o senhor chegou a Roma, o que o senhor sentiu? Como foi esse dia para o senhor?

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Dom Álvarez: Bem, primeiro deixe-me dizer que quando saí da prisão e me levaram para o aeroporto como parte das negociações que a Santa Sé, a secretaria de Estado em nome do Santo Padre, fez com o governo, é claro que senti uma alegria profunda, mas acima de tudo foi uma experiência de fé, porque naquele momento recitei e professei o Credo, e é por isso que sofri essa experiência: pela minha fé em una, santa, católica e apostólica. E assim, quando cheguei a Roma, senti muita emoção, muita alegria, muito entusiasmo, muitas lágrimas e muita gratidão no meu coração a Deus, ao papa, à Secretaria de Estado e a todos aqueles homens e mulheres que silenciosamente providenciaram minha partida e a todos que rezaram por mim. E eu gostaria de aproveitar esta entrevista para agradecer de coração a todos os homens e mulheres, não só crentes, mas também agnósticos não-crentes que me desejaram o bem e, desse bom desejo, tenho certeza, o Senhor recebeu essas boas intenções como uma oração pela minha libertação.

EWTN: Enquanto o senhor estava na prisão, o que lhe manteve esperançoso? O senhor achou que esse dia de libertação chegaria? O que estava pensando?

Dom Álvarez: Sempre pensei e acreditei na minha liberdade. E na prisão eu aprendi duas coisas que podem ser consideradas erros: para quem está de fora, pensar que o preso nunca vai sair. Esse é um erro grave. E para o preso, pensar que nunca mais vai sair é outro erro grave. Sempre acreditei na minha libertação. Quando? Não sei, eu não sabia, mas sempre tive esperança de ser livre e o que me sustentava era a oração. Uma vez lá fora, percebi que não era só a minha oração, mas também a oração de todo o povo fiel e santo de Deus, não só os nicaraguenses, mas também os espalhados pelo mundo, aos quais reitero minha profunda gratidão e insisto que o que me sustentou foi a oração, estar aqui com vocês diante das câmeras da EWTN, poder dar esta entrevista nesta linda Pontifícia Comissão da América Latina, só pode ser explicado como uma ação sobrenatural de Deus. Não há explicação humana para eu poder estar com você neste momento.

EWTN: O senhor falou sobre sua saúde no dia em que saiu, no ano em que ficou preso. Como era sua saúde antes e como está agora?

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Dom Álvarez : Para dizer em linguagem quantitativa, cheguei a menos zero em todas as minhas capacidades psicológicas, psiquiátricas, emocionais, afetivas, sentimentais, morais, espirituais, físicas, somáticas, menos zero. Agora, um ano depois, posso dizer que estou 90% recuperado.

EWTN: As pessoas que ficaram para trás. Como o senhor acha que a Igreja na Nicarágua vivencia a situação atual?

Dom Álvarez : Levo sempre no bolso, que não tenho no momento, a carta pastoral que o Santo Padre dirigiu a nós, nicaraguenses, em 2 de dezembro do ano passado. E nessa carta pastoral o papa nos exorta, usando uma linguagem muito caseiro e muito nosso, a crer e a confiar na Providência Divina, até nos momentos em que inteligivelmente não se pode entender o que está acontecendo. Em outras palavras, até nos momentos em que a esperança se transforma em escuridão, devemos acreditar firmemente que Deus está agindo na história do ser humano e na história dos povos, e estou convencido disso e é por isso que sou um homem de esperança e acredito que meu povo, minha nação, é uma nação de esperança.

EWTN: E sabe o que isso me lembra? Num Angelus de fevereiro de 2023, o papa disse que rezou muito por dom Rolando Álvarez e disse: o bispo, por quem tenho muito carinho. Como o senhor recebeu essa notícia?

Dom Álvarez: Pois eu não soube disso na prisão… até vir para Roma e descobrir. E não me sinto digno do afeto do papa. Mas quero lhe contar um segredo, que é, creio eu, o motivo pelo qual o papa começou a ter carinho por mim. Certa vez, em 2018, quando havia a situação mais violenta na Nicarágua, vim fazer uma visita ao atual arcebispo, o cardeal Brenes, na Santa Sé, e íamos nos encontrar com o papa. Por questões de protocolo, eles passaram primeiro para o arcebispo e me deixaram do lado de fora por cerca de 20 minutos ou meia hora. E comecei a rezar o Santo Rosário. Depois de meia hora, eles passaram por mim e o papa, num gesto maravilhoso, levantou-se, foi me cumprimentar, abriu os braços para mim e disse: Perdoe-me por fazer você passar tanto tempo no purgatório esperando. E eu, normalmente, com o terço na mão, disse-lhe: Não se preocupe, Santo Padre, porque aproveitei para rezar o Terço. Acho que houve um momento de simpatia ali, porque daquele momento em diante lembro que sempre que um bispo da Nicarágua vinha, o papa me mandava saudações.

EWTN: E desde então imagino que neste ano em Roma tiveram essa relação próxima…

Dom Álvarez : Tivemos uma relação próxima, especialmente no Sínodo. Uma coisa muito interessante aconteceu comigo. Fui almoçar perto do Vaticano, num pequeno restaurante e terminei cedo. Então voltei às três da tarde. As sessões começavam às quatro e eu pensei: vou descansar na mesa. Vou dormir lá um pouco antes que o trabalho comece. E aquela sala do sínodo estava completamente vazia. Só o papa estava sentado. Aproveitei para ir falar com ele e ali, como dizemos nós nicaraguenses, me diverti muito porque falei de tudo o que tinha para falar e então o papa me disse algo que eu não posso dizer.

EWTN: Falando sobre o Sínodo, essa foi sua primeira aparição pública em que o senhor deu seu testemunho e sabemos que teve um grande impacto nos membros que estavam lá. O que o senhor disse a eles?

Dom Álvarez : O cardeal Marc teve a gentileza de me ligar pessoalmente 15 dias antes e me disse: “O papa quer que você participe do Sínodo”. Eu tinha outra agenda porque não era para eu participar da assembleia, mas de qualquer forma, foi a vontade de Deus e do papa e fiz isso com alegria, com simplicidade e normalidade. Pois foi assim que vivi minha vida sinodal. E eu sempre digo que obtive um diploma em eclesiologia sinodal, esse mês foi muito intenso para mim. Aprendi muito com meus irmãos cardeais, bispos, padres, religiosos, religiosas e leigos. Aprendi muito com suas intervenções, com as conversas nos corredores. Aprendemos muito no Sínodo.

EWTN: Era isso que eu ia te dizer. O senhor provavelmente ouviu falar de outras formas nas quais a Igreja ao redor do mundo está lutando em suas próprias circunstâncias para ir em frente. Isso teve impacto?

Dom Álvarez : Bem, eu acho que todos nós poderíamos ter uma visão de mundo diferente, mas há também uma espécie de, se me permitem uma expressão técnica que não sei se vou inventar neste momento, uma cosmoeclesiologia diferente. Há uma maneira de ver e viver a Igreja dependendo da cultura, dependendo dos continentes, dependendo das experiências. Por exemplo, temos uma experiência na Nicarágua e na América Central, em que as mulheres têm uma participação extraordinária. Conheço mulheres que são diretoras espirituais de bispos, chanceleres, promotoras de justiça, coordenadoras comunitárias, delegadas da palavra, ministras, leitoras extraordinárias da comunhão, catequistas, membros de corais… nossos templos e nossos altares estão cheios de rapazes e moças. Por outro lado, sei e aprendi no sínodo que há outras realidades eclesiais nas quais parece que as mulheres não têm a mesma participação.

EWTN: Bem, por último, eu queria lhe dar espaço para dizer o que o senhor quiser dizer ao seu povo. Há alguma mensagem que o senhor gostaria de deixar como agradecimento?

Dom Álvarez : Dizer-lhes que eu os amo. Amo muito minha gente, amo meu povo e digo a eles que sou bispo da Igreja universal. Ou seja, fui ordenado bispo de Matagalpa. Sou o chefe visível de Matagalpa e administrador apostólico de Estelí e continuarei sendo até que Deus queira. No dia em que o Senhor, por meio do papa, não me permitir mais continuar juridicamente a pastorear essa diocese, continuarei sendo bispo e pastor da Igreja universal. Obrigado a todos. Obrigado pela entrevista e gostaria de enviar daqui minha bênção do Pai, do Filho e do Espírito Santo a todo o povo da Nicarágua e de toda a América Latina.

EWTN: Dom Rolando Álvarez, muito obrigada.

Dom Alvarez : Obrigado.

FONTE: ACI Digital

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Ivaldo Lima

Graduado em Sistema para Internet e Comunicação Social, Radialista com especialização em Marketing Digital!
Graduando em Teologia Católica.
Pós-Graduação em Doutrina Social da Igreja e Ordem Social!