29 de set de 2024 às 17:53
No avião papal de volta a Roma, hoje (29), o papa Francisco respondeu as críticas feitas aos comentários que ele fez sobre as mulheres durante uma visita a uma universidade católica em Louvain, na Bélgica, ontem (28), afirmando que há “uma mente obtusa” que propositalmente não entende sua posição.
Durante um encontro com estudantes da universidade católica de Lovaina (UCLouvain), Francisco refletiu longamente sobre o papel das mulheres na Igreja, dizendo: “Não é o consenso nem são as ideologias que sancionam o que é caraterístico da mulher, o que é feminino. A dignidade é assegurada por uma lei original, escrita não no papel, mas na carne. A dignidade é um bem inestimável, uma qualidade original, que nenhuma lei humana pode dar ou tirar”.
“A mulher é acolhimento fecundo, cuidado, dedicação vital. Por isso a mulher é mais importante que o homem, e é triste quando a mulher quer fazer-se homem: não, é mulher, e isto “tem peso”, é importante”, disse Francisco.
“Abramos os olhos para os muitos exemplos quotidianos de amor”, continuou o papa, “das amizades ao trabalho, do estudo à responsabilidade social e eclesial, da conjugalidade à maternidade ou à virgindade em favor do Reino de Deus e do serviço”.
Em nota à imprensa emitida momentos depois do discurso do papa, a UCLouvain criticou as observações de Francisco sobre as mulheres como “conservadora” e “determinista e redutora”.
A universidade disse que “expressa a sua incompreensão e desaprovação da posição expressa pelo papa Francisco em relação ao papel das mulheres na Igreja e na sociedade”.
A universidade questionou especialmente o comentário que o papa fez ao dizer que “a mulher é acolhimento fecundo, cuidado, dedicação vital”.
“A UCLouvain é uma universidade inclusiva e empenhada na luta contra a violência sexista e sexual”, afirma o comunicado. “Reafirma o desejo de que todos possam florescer dentro dela e na sociedade, quaisquer que sejam as suas origens, gêneo ou orientação sexual. Apela à Igreja para que siga o mesmo caminho, sem qualquer forma de discriminação”.
Durante a coletiva de imprensa no voo de retorno da Bélgica, a jornalista italiana Annachiara Valle, da revista Famiglia Cristiana, pediu uma resposta do papa às críticas da universidade.
O papa Francisco classificou o comunicado de imprensa de “pré-redigido” e “não moral” por ter sido escrito “no momento em que falava”.
“Falo sempre da dignidade da mulher”, afirmou. “Disse uma coisa que não posso dizer dos homens: a Igreja é mulher, é a esposa de Jesus. Masculinizar a Igreja, masculinizar as mulheres não é humano, não é cristão. O feminino tem a própria força. Ou melhor, a mulher – eu sempre digo – é mais importante dos que os homens, porque a Igreja é mulher, a Igreja é esposa de Jesus”.
Francisco disse: “se isso soa conservador para aquelas mulheres, eu sou Carlos Gardel (famoso cantor de tango argentino). Não se compreende… Eu vejo que há uma mente obtusa que não quer ouvir falar disto”.
Reiterando suas muitas declarações anteriores sobre os princípios teológicos marianos e petrinos que definem os diferentes papéis de homens e mulheres na Igreja, Francisco ainda enalteceu “o misticismo da mulher (como) maior do que” os ministérios ordenados, como padres ou diáconos.
Abuso
Na coletiva de imprensa, a jornalista Andrea Vreede, da NOS TV holandesa, questionou o papa Francisco sobre os abusos e como o Vaticano poderia responder melhor às necessidades e pedidos das vítimas.
O papa Francisco apontou que já existe uma instituição no Vaticano sobre este assunto, a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, e lembrou que muitas vezes recebeu pessoalmente vítimas de abuso, ouvindo-as e desejando-lhes felicidades.
“Dou-lhes força para que possam seguir em frente”, disse. “Temos a responsabilidade de ajudar as vítimas e cuidar delas. … e punir os abusadores”.
“Precisamos cuidar das pessoas abusadas e punir os abusadores, porque o abuso não é um pecado de hoje que talvez não exista amanhã”, disse o papa. “É uma tendência, é uma doença psiquiátrica e, por isso, devemos tratá-los e controlá-los.”
“Não se pode deixar um abusador livre na vida normal, com responsabilidades em paróquias e escolas”, disse.
O papa também disse “aos bispos belgas para não terem medo e seguirem em frente”, apesar de no passado não terem conseguido punir devidamente os abusos.
As observações do papa vêm depois da sua decisão de expulsar o antigo bispo emérito de Bruges, Roger Vangheluwe, muitos anos depois de o ex-bispo ter admitido ter abusado sexualmente dos seus sobrinhos. O ex-arcebispo de Bruxelas, o cardeal Godfried Danneels, que já morreu, teria aconselhado uma vítima dos abusos de Vangheluwe a manter-se em silêncio.
A Igreja Católica na Bélgica enfrenta um declínio significativo na confiança do público. Apenas 50% dos belgas se identificaram como católicos em 2022, uma queda de 16% em relação à década anterior, com apenas 8,9% que frequentam a missa pelo menos uma vez por mês.
Segundo um relatório recente de 2023, o número de católicos que pediram a exclusão dos seus nomes nos registos de batismo aumentou para 1.270.
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A visita do papa Francisco ocorre na sequência de uma série de escândalos que têm assolado a Igreja belga, culminando num relatório devastador divulgado em 2010 que revelou que mais de 500 pessoas tinham apresentado denúncias de abusos por parte de padres. As consequências destas revelações levaram a um escrutínio significativo da liderança e das práticas da Igreja, levando muitos a apelar a uma abordagem mais transparente no tratamento das denúncias de abuso.
Um documentário recente intitulado “Godvergeten” (“Godforsaken”) foi transmitido na televisão belga e mostrava as vítimas contando seus relatos angustiantes, provocando ainda mais a indignação do público e motivando uma investigação sobre as práticas da Igreja.
Na sua primeira noite na Bélgica, o papa Francisco passou duas horas conversando individualmente com 17 vítimas de abusos sexuais cometidos por padres.
Segundo a Sala de Imprensa da Santa Sé, os participantes no encontro partilharam com o papa Francisco “as suas histórias e as suas dores e expressaram as suas expectativas em relação ao compromisso da Igreja contra os abusos”.
O papa “expressou gratidão pela coragem e pelo sentimento de vergonha que sentiram por aquilo que sofreram enquanto crianças por causa dos padres a quem foram confiadas”.
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Anteriormente, Francisco tinha falado sobre a crise dos abusos clericais na Bélgica durante uma reunião com cerca de 300 autoridades, incluindo o rei Philippe e o primeiro-ministro belga Alexander De Croo, no castelo de Laeken.
Declarou que “a Igreja deve envergonhar-se” e deve procurar o perdão pelos seus erros. O abuso de menores é “um flagelo que a Igreja está enfrentando com determinação e firmeza, ouvindo e acompanhando os feridos e implementando um amplo programa de prevenção em todo o mundo”, acrescentou.
O papa também mencionou o tema dos abusos na missa celebrada no estádio nacional da Bélgica, em Bruxelas, hoje.
Exortou os bispos belgas a trazerem à luz o mal dos abusos e a não os encobrirem. “Condenai os abusadores – julgue o abusador, seja leigo, leiga, padre ou bispo”, disse o papa hoje (29), na homilia.
Aborto
Durante o voo, Francisco também respondeu a uma pergunta da jornalista Valerie Dupont da Rádio Televisão Belga sobre o aborto, a qual disse que as pessoas na Bélgica ficaram surpreendidas com as suas palavras no túmulo do rei Balduíno.
“Sabe que o espanto é o início da filosofia, e isso é bom”, respondeu o papa.
Francisco chamou às leis que legalizam o aborto de “assassinas” e “criminosas”, ontem (28), durante uma visita ao túmulo do rei belga Balduíno, na cripta real da basílica do Sagrado Coração, em Bruxelas.
O rei Balduíno preferiu renunciar temporariamente do trono a assinar uma lei que legalizava o aborto em 1990. A sua causa está atualmente aberta e o papa anunciou, depois da missa de hoje (29), que aceleraria o processo de beatificação do rei que governou a Bélgica entre 1951 a 1993, ano em que morreu com 63 anos.
Dupont disse que algumas pessoas viram os comentários do papa no túmulo do antigo rei como “uma interferência política na vida democrática da Bélgica”.
A jornalista perguntou também sobre a causa de santidade do rei e “como podemos conciliar o direito à vida, a defesa da vida, e também o direito das mulheres a terem uma vida sem sofrimento?”
Em resposta, o papa Francisco reiterou que a escolha do rei Balduíno de renunciar durante três dias para não assinar uma “lei de morte” foi “corajosa” e exepcional, acrescentando que o rei católico foi capaz de o fazer porque era santo. “O processo de beatificação continuará, porque me deu provas disso”, afirmou.
“As mulheres têm o direito à vida: à sua própria vida e à vida de seus filhos. Não podemos esquecer de dizer isso”, continuou o papa no avião papal. “O aborto é um homicídio… Assassina-se um ser humano. E os médicos que fazem isso são — permita-me a palavra — sicários… E sobre isso não se pode discutir”.
“As mulheres têm o direito de proteger a vida”, afirmou, acrescentando que “os métodos anticoncepcionais, isso é outra questão”: “Não confundam. Estou falando agora apenas sobre o aborto. E sobre isso não há discussão. Desculpe-me, mas é a verdade”.
Os comentários do papa Francisco sobre o aborto surgem quando a Bélgica discute a possibilidade de estender o limite legal do aborto no país, que vai até a 12ª semana de gravidez.
No entanto, durante a sua viagem, o papa não mencionou uma outra questão pró-vida – a eutanásia e o suicídio assistido – apesar de a Bélgica ter algumas das leis de eutanásia mais liberais do mundo.
Viagem papal
Os comentários do papa Francisco no voo de retorno a Roma foram feitos no final de uma visita de quatro dias aos pequenos países europeus Luxemburgo e Bélgica, onde cumprimentou líderes reais, primeiros-ministros, professores e estudantes, e católicos em alguns dos palácios históricos, catedrais e universidades dos países.
Durante uma breve visita de um dia ao pequeno mas rico Luxemburgo, em 26 de setembro, o papa encontrou-se com líderes locais, incluindo o grão-duque católico Henri e sua esposa, a grã-duquesa María Teresa, e com autoridades governamentais e políticos.
O papa também teve uma audiência com os católicos na catedral gótica de Notre-Dame, do século XVII, na qual destacou a necessidade de o país historicamente católico evangelizar a Europa face ao rápido crescimento da secularização.
O papa disse aos jornalistas a bordo do avião papal, hoje (29), que não estava muito familiarizado com Luxemburgo antes da visita, mas que o país o “impressionou muito” como uma “sociedade bem equilibrada, com leis bem ponderadas, e também uma cultura diferente”.
De lá, o papa Francisco pegou um voo de 55 minutos para a vizinha Bélgica, onde visitou três cidades entre 26 a 29 de setembro para marcar o 600º aniversário das universidades católicas de Leuven e Louvain-la-Neuve.
Na Bélgica, além dos encontros oficiais com o rei Philippe e a rainha Mathilde dos belgas, com os líderes políticos e com o clero católico, o papa fez também uma série de visitas fora do programa.
Na sexta-feira, 27 de setembro, visitou o lar St. Joseph Care Home, uma residência para idosos com dificuldades econômicas dirigida pelas irmãzinhas da Caridade.
Na manhã de ontem (28), almoçou com um grupo de dez desabrigados e migrantes na paróquia de São Giles, teve um encontro privado com jesuítas locais e rezou em frente ao túmulo do rei belga católico Balduíno, que renunciou temporariamente ao trono em 1990 para não assinar uma lei que legalizava o aborto.
O papa também fez uma visita surpresa ontem à noite a um encontro de jovens. O evento “Hope Happening” foi organizado durante o fim de semana da visita papal.
Com um breve discurso de improviso, o papa Francisco encorajou os mais de cinco mil adolescentes e jovens adultos presentes no encontro jovem a rezar, a “fazer barulho”, a não serem preguiçosos e a ajudarem os outros.
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