Livro de um Habsburgo traz lições de monarcas sobre abertura à vida e como morrer bem

Livro de um Habsburgo traz lições de monarcas sobre abertura à vida e como morrer bem

A fé católica e as tradições das monarquias dos Habsburgos os ajudaram a desfrutar de casamentos geralmente estáveis e famílias grandes e felizes que foram cruciais para governar seus reinos por mais de oito séculos.

Agora, alguns desses princípios pelos quais eles viveram – e morreram – estão registrados em um livro do arquiduque Eduard Habsburgo-Lothringen, embaixador da Hungria junto à Santa Sé e descendente direto do imperador Francisco José I da Áustria (1830-1916), que assumiu o trono de imperador com a renúncia de seu tio Ferdinando I em 1848.

O imperador Francisco José I era sobrinho da imperatriz Leopoldina do Brasil (1797-1826), austríaca, irmã de Ferdinando I, mulher de dom Pedro I (1798-1834), mãe de dom Pedro II (1825-1891), e avó da princesa Isabel (1846-1921), que acabou com a escravidão no Brasil.

Em entrevista ao jornal National Catholic Register, parte do grupo EWTN a que pertence ACI Digital, em Roma, na última quinta-feira (18), dia do lançamento da edição italiana do livro O Jeito Habsburgo: Sete Regras para Tempos Turbulentos, em tradução livre, Habsburgo discute esses sete e outros princípios com os quais acredita que todas as pessoas podem aprender nesta época conturbada em que o casamento e a família estão especialmente sob ataque.

Ele também ilustra uma história comovente sobre a execução da rainha Habsburgo da França Maria Antonieta durante a Revolução Francesa; as contribuições do imperador Carlos V, governante Habsburgo do tempo da Reforma protestante; e o exemplo do último príncipe herdeiro da Áustria-Hungria, Otto von Habsburg, que resistiu ao nazismo. Ele conclui com palavras do ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger sobre a dinastia dos Habsburgo, ditas apenas seis semanas antes de Kissinger morrer.

Edward Pentin: Embaixador Habsburgo, o que o levou a escrever o livro?

Eduard Habsburgo-Lothringen: Em um nível muito prático, fui convidado pela editora Sophia Institute Press para escrever um livro sobre os Habsburgos. Pensei: “Prefiro não escrever outro livro de história dos Habsburgos porque já existem centenas e, portanto, farei algo um pouco diferente”. Cerca de um ano antes, eu dei uma palestra sobre os princípios dos Habsburgos em um clube em Boston, nos EUA, e o organizador me disse para não falar apenas sobre a fé católica, porque muitos dos ouvintes não eram católicos. Então tive que sentar e dizer que outras coisas caracterizam os Habsburgos. As primeiras coisas que me vieram à mente foram a fé católica, a família e muitos filhos. Então fiz uma lista e cheguei a dez tópicos para a palestra, que condensei em sete para o livro.

 

Edward Pentin: Também achou que teria ressonâncias com os EUA?

Habsburgo-Lothringen: O que me surpreendeu muito ao escrever o livro foi descobrir que havia muitos pontos em comum entre os EUA e algumas ideias dos Habsburgo. Descobri que, por exemplo, o sistema americano é construído de baixo para cima, o que é muito próximo da ideia de subsidiariedade na dinastia Habsburgo e no Sacro Império Romano-Germânico, que é um capítulo do meu livro. Também notei que não apenas esses sete princípios desapareceram em grandes partes da Europa, mas também, em muitos lugares dos EUA, e, portanto, o que estou escrevendo pode ser útil. Há também fortes ligações com os EUA, entre os EUA e os Habsburgos. Por exemplo, o primeiro governador do Texas foi colocado no cargo pelos Habsburgos espanhóis, então eu sempre gosto de brincar com meus amigos americanos que Califórnia, Flórida e Texas são antigos territórios dos Habsburgos.

Pentin: Poderia dar alguns exemplos de O Jeito dos Habsburgo de criar um casamento estável e uma vida familiar feliz?

Habsburgo-Lothringen: Em comparação com outros reinos no século XVI, os Habsburgos tinham, em média, cerca de 12 a 16 filhos, e muito conscientemente, porque não tinham casos com outras mulheres. Eles não dormiam por aí, por assim dizer. Eles estavam cientes de que o casamento é um sacramento. Eles estavam cientes de que tinham que produzir herdeiros para o trono, e sobressalentes, como se costumava dizer. O último imperador austríaco, o beato Carlos da Áustria, teve oito filhos em 11 anos de casamento. Ele tinha um casamento muito católico. Ele amava muito sua esposa. E muitos dos meus primos hoje em dia têm muitos filhos. Talvez, não mais 16, mas alguns de nós temos cinco, seis, sete filhos.

Pentin: O que diferencia os Habsburgos de outras monarquias é a profundidade de sua fé?

Habsburgo-Lothringen: Sim, os Habsburgos foram católicos do primeiro ao último, alguns deles um pouco menos, alguns deles um pouco mais, mas constantemente, ao longo de 850 anos, foi uma família católica. Se alguém é católico, então acredita que o casamento e uma relação conjugal entre um homem e uma mulher têm que ser abertos à vida. Então, acredita que cometer adultério ou não ter filhos vai contra o plano de Deus e é um pecado. Então, acredita que, se algo der errado no casamento, tem que levar isso à confissão. Tudo isso se combina para criar uma atmosfera de forte abertura à vida e de casamentos longos e estáveis.

Pentin: Que outros jeitos Habsburgo poderíamos usar hoje para ajudar a sociedade a atravessar esses tempos confusos?

Habsburgo-Lothringen: Eu sugiro casar e ter muitos filhos. Acho que esta não é apenas uma receita para a felicidade pessoal de ambos os cônjuges, mas, também, para a felicidade incrível dos filhos e a melhor coisa que se pode dar ao Estado em que se vive e à sociedade em que se vive. E eu, claro, defendo a fé católica. Acredito que isso traz felicidade, porque é a verdadeira fé. Acredito nisso.

 Pentin: Você também acha que ter a verdadeira fé coloca tudo na perspectiva correta, especialmente a paternidade, porque isso faz com que perceba que seu propósito principal é ajudar a levar seus filhos ao Céu?

Habsburgo-Lothringen: Sim. Você não pode garantir que seus filhos viverão a fé da mesma forma que você, mas acredito que viver a fé católica ao máximo dará a seus filhos uma boa chance. Meu pai sempre dizia que as crianças não fazem o que você manda, mas o que você faz. Então, se eles virem você rezar, e virem você levantar cedo para ir à missa, também, durante a semana, eles farão isso também. Portanto, vivam uma vida católica e seus filhos viverão assim. Você quer levá-los ao Céu; concordo plenamente com isso. Os Habsburgos são muito, muito sérios nesse ponto. Um capítulo do livro, o último capítulo, é sobre morrer bem. Tento manter todos sempre cientes disso: o momento e a maneira como você morre decide sua eternidade, e você tem que se preparar para isso. Toda a sua vida é preparação para a sua morte. Os Habsburgos viviam assim, todos eles. Eles tinham plena consciência de que a maneira como morreram seria decisiva para sua eternidade, então eles se prepararam para esse momento por toda a vida. Eles queriam e fizeram de tudo para que fosse como deveria ser como católico, que é receber os sacramentos, idealmente cercado por sua família, e se confessar.

Pentin: Pode contar alguma história de Habsburgos que morreram segundo esses princípios?

Habsburgo-Lothringen: A história que eu gostaria de repetir aqui, porque a maioria das pessoas realmente não sabe, é de como Maria Antonieta morreu. A maioria das pessoas a conhece como a rainha que dizia para as pessoas comerem bolos, o que ela nunca fez. Ela nunca o fez. A história mais importante é como ela morreu, contada por uma fonte insuspeita, não de um fã dos Habsburgo, mas do carrasco de Paris, Charles-Henri Sanson. Maria Antonieta foi descrita como incrivelmente nervosa, ansiosa, olhando ao redor e olhando para as casas à esquerda e à direita do caminho enquanto Sanson se sentava ao seu lado na carruagem a caminho de sua execução. E, então, eles passaram por uma casa, e ela estava em total paz, serena e feliz, e seguiu para a Place de la Concorde. Anos depois da revolução, essa história foi explicada a Sanson por católicos clandestinos. Disseram-lhe que Maria Antonieta sofreu terrivelmente porque o comitê revolucionário não queria permitir que ela se confessasse. Ofereceram a ela confessar-se com um padre revolucionário, mas confessar com eles levava à excomunhão, porque eles tinham sido excomungados. Ela sofreu terrivelmente por causa disso. Se um padre, um verdadeiro sacerdote fiel a Roma ou até mesmo um bispo, fosse capturado na França, era imediatamente morto. Mas contrabandearam o bispo para Paris, e o contrabandearam para uma janela ao longo da estrada de sua marcha, e disseram-lhe: “Ele vai ficar na janela e lhe dar absolvição in extremis“. Então, ela estava procurando por ele e, quando o viu, sabia que estava tudo bem. Isso dá uma ideia de como a fé, os sacramentos, a salvação eterna e morrer bem foram importantes para os Habsburgos.

Pentin: Voltando ao imperador Habsburgo Carlos V e sua resistência contra a Reforma, o que podemos aprender com ele em termos de luta contra o secularismo hoje, inclusive dentro da Igreja?

Habsbugo-Lothringen: Tenho que dizer que estou muito orgulhoso de Carlos V. Ele mal tinha sido eleito quando as ideias de [Martinho] Lutero chegaram ao Sacro Império Romano-Germânico. E o que houve foi uma verdadeira revolução. Um dos deveres do imperador era manter a paz e a unidade dentro do império. Então, como se lida com isso? Na Dieta de Worms, em 1521, a resposta que Carlos V deu diretamente a Lutero foi, basicamente, um apelo à tradição. Ele disse: “Ouça, companheiro, muito bom o que você diz. Mas meus antepassados sempre estiveram com a Santa Igreja Católica Romana, com todos os santos, com as doutrinas dos papas, dos concílios. Se eu tenho, de um lado, a doutrina de 1.500 anos da Igreja, que todos os meus antepassados defenderam; e do outro, tenho um monge da Alemanha, sei de que lado fico.” Isso foi muito legal, tenho que dizer. Ele foi capaz de ser um imperador católico muito claro em um momento muito difícil.

Pentin: É necessária uma monarquia para combater as tendências secularistas?

Habsbugo-Lothringen: Creio que devemos ser gratos pela existência de monarquias. Acredito que seja a melhor forma de governo, e a razão é melhor explicada no famoso episódio entre Franz Joseph e Roosevelt que pus no meu livro. Em 1910, Theodore Roosevelt foi a Viena e conheceu o velho imperador de barba grisalha Franz Josef, então com 80 anos. Roosevelt, obviamente, querendo provocar um pouco o imperador, disse: “Bem, Sua Majestade, dado que há eleições e democracia e ministros, primeiros-ministros e partidos, qual é exatamente o seu trabalho?” E parece que Franz Josef respondeu: “Meu trabalho é proteger meu povo de seus políticos”. Um monarca é um poder acima e ao lado da política partidária, acima e ao lado do sistema, sem motivação para ser reeleito em quatro anos e, portanto, capaz de enxergar mais longe, de não tomar decisões de curto prazo.

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Pentin: Acha que uma monarquia, e especificamente uma monarquia católica, também tem um certo papel estabilizador espiritual e temporal, que não há em um presidente?

Habsbugo-Lothringen: Concordo plenamente. E foi muito tentador ver, no funeral da rainha Elizabeth II e na coroação do rei Charles III, os elementos católicos em destaque, os elementos espirituais presentes em todos os lugares.

Pentin: O último príncipe herdeiro da Áustria-Hungria, Otto von Habsburgo (1912-2011), ficou famoso por sua resistência ao nazismo. O que podemos aprender com seu exemplo?

Habsbugo-Lothringen: Bem, o primeiro exemplo a se aprender é estudar seu inimigo. Otto foi uma das poucas pessoas que comprou e leu Mein Kampf (de Adolf Hitler) quando foi lançado. Então, a maioria das pessoas comprou e colocou nas prateleiras, mas ninguém leu. Ele realmente leu. E ele sabia que ideias assassinas e terríveis estavam na cabeça desse homem e que ele era contra tudo o que a família Habsburgo representava. Na verdade, o Anschluss (anexação) da Áustria, em 1938, foi chamado de Unternehmen Otto (“Operação Otto”, em alemão), porque Hitler o via como um perigo real. O que os Habsburgos sempre fazem é tentar implementar seus princípios, aqueles que eu dou no livro, no mundo em que vivem.

Pentin: Pode nos contar sobre o ritual da batida na porta que acontece no funeral de um soberano dos Habsburgo?

Habsbugo-Lothringen: Os Habsburgos tiveram muito cuidado quando se tratava de funerais, porque pode ser uma oportunidade, para dizer na linguagem católica moderna, de evangelização. Os Habsburgos queriam dar aos seus súditos uma lição de humildade, conhecimento de que o imperador é um ser humano pecador e precisa de graça. Assim, quando os Habsburgos eram enterrados, eram levados pelas ruas de Viena em um enorme, gigantesco funeral, até os portões de um mosteiro capuchinho no centro de Viena, na Áustria, o Kapuzinergruft, onde os Habsburgos estão enterrados na cripta desde o século XVI ou XVII. Quando o mestre do protocolo bate à porta que leva à cripta, um monge de dentro pergunta três vezes: “Quem vem lá?” E, em seguida, leram todos os títulos dizendo: “Zita, imperatriz da Áustria, rainha da Hungria, rainha da Boêmia, rainha da Croácia”, e todos os títulos. E a voz diz: “Não a conhecemos”. E, então, ele vai bater de novo, e dizer: “Quem vem lá?” E, então, leem todas as conquistas daquela governante, tudo o que ela fez, todas as guerras travadas, todos os casamentos, todos os filhos. E, novamente, a voz diz: “Não a conhecemos”. E, então, na terceira vez que ele bate, ele diz: “Quem vem lá?” Ele diz: “Zita, uma pobre mulher pecadora”. E, então, a porta se abre. É uma mensagem que todos ao seu redor entendem: ela pode ter usado uma coroa, mas ela era uma pecadora como você e eu, e temos que nos preparar para a morte.

Pentin: Acha que a monarquia dos Habsburgos precisa voltar, dado o estado do Ocidente e, especialmente, da Europa?

Habsbugo-Lothringen: Bem, podemos terminar com uma citação de Henry Kissinger. Quando o visitei seis semanas antes de morrer e lhe trouxe meu livro, ele disse: “Sabe, estou muito feliz que você me dê o livro sobre sua família, porque acredito que os Habsburgos são a melhor coisa que já aconteceu à Europa, pelo menos à Europa Central”. “Mesmo levando em conta as fraquezas pessoais de cada imperador, ainda pode-se dizer que, ao longo dos séculos, foi a melhor coisa que aconteceu com a Europa. E, no momento em que os Habsburgos foram retirados da equação, começaram todos os problemas na Europa Central que não pararam.” Foi o que ele me disse quando o conheci, em outubro de 2023.

Pentin: Porque deu estabilidade à Europa?

Habsbugo-Lothringen: Sim. Primeiro, ao Sacro Império Romano-Germânico; e, depois de 1806, para a Europa Central. E no momento em que isso foi tirado e no momento em que [Woodrow] Wilson (presidente dos EUA de 1913 a 1921) e os outros decidiram fazer sua própria ideia de Europa, todos os problemas começaram. Foi o que Kissinger disse.

FONTE: ACI Digital

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Ivaldo Lima

Graduado em Sistema para Internet e Comunicação Social, Radialista com especialização em Marketing Digital!
Graduando em Teologia Católica.
Pós-Graduação em Doutrina Social da Igreja e Ordem Social!