Uma longa investigação e a descoberta de uma doença genética causada por casamentos de pessoas consanguíneas. Uma patologia rara desvendada pela bióloga e doutora em genética da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Silvana Santos, na cidade do sertão do Rio Grande do Norte, onde ‘todo mundo é primo’, inspirou um documentário exibido pela BBC.
O PB Agora conversou com a cientista que deu detalhes de sua pesquisa e destacou a relevância do documentário para divulgar e dar visibilidade a essa temática.
A produção audiovisual exibida esta semana, e disponibilizada no YouTube, traz depoimentos de moradores de Serrinha dos Pintos (RN) que perderam na infância a capacidade de andar.
Para filmar o documentário “O Mistério Genético desvendado no Sertão”, a BBC News Brasil foi até Serrinha dos Pintos com Silvana Santos, refazendo os passos que a pesquisadora deu há mais de 20 anos, para contar a história de como a síndrome rara foi descoberta. A equipe da emissora e a professora visitaram casas onde moram pessoas que têm algum tipo de deficiência genética.
Personagens entrevistados por Silvana Santos e que deram embasamentos à pesquisa se tornaram destaques no documentário, a exemplo da recém-casada Larissa Queiroz, 25 anos, que só descobriu estar namorando um primo após meses de relacionamento. Os relatos são impressionantes. Na cidade, todos conhecem alguém casado com parentes da mesma família, e que antes da pesquisa desconheciam a origem dos problemas genéticos.
Para realizar a pesquisa, Silvana Santos entrevistou mais de mil famílias em 30 municípios diferentes. Foi nesta cidade de menos de cinco mil habitantes, no Sertão do Rio Grande do Norte que a bióloga descobriu, estudou e batizou uma doença genética rara até então desconhecida no mundo, a Síndrome Spoan. O documentário revela que hoje, todo mundo na cidade já tem conhecimento da síndrome graças a investigação da bióloga.
Causada por uma mutação genética que pode ser rastreada até os primeiros colonizadores que exploraram o Sertão, a síndrome afeta o sistema nervoso e causa um progressivo enrijecimento e enfraquecimento das pernas e dos braços. Nos afetados, os olhos apresentam um movimento rápido e involuntário. Para que a síndrome se manifeste, conforme atestou a pesquisa, a pessoa precisa herdar obrigatoriamente um gene com a mutação tanto da mãe quanto do pai.
Silvana explicou que por estar distante de qualquer metrópole e isolada em uma serra com pouco histórico de novas pessoas chegando, em Serrinha dos Pintos é comum que os moradores tenham algum grau – ainda que distante – de parentesco. Muitos casamentos, em alguns casos mesmo sem as pessoas saberem, ocorrem entre primos, fenômeno que interessa geneticistas como Silvana.
O Nordeste do Brasil, sobretudo nas cidades do interior, é a região onde essas uniões consanguíneas são mais comuns no país. Em algumas cidades, a taxa se aproxima de países do Oriente Médio, onde esse tipo de relação são parte da cultura e até incentivadas. Em geral, o casamento entre pessoas de uma mesma família é bastante comum no mundo, com estimativas em torno dos 10%. E os filhos dos casais, na maioria dos casos, não nascem com deficiência, explicam os geneticistas
A professora Silva disse que o documentário vai servir para dar mais visibilidade a essa temática.
Ela revelou que após a realização de sua pesquisa e do documentário, a equipe da BBC descobriu que tem uma pessoa de Portugal que comentou ter sintomas semelhantes. Para ela, a produção da BBC sobre a Síndrome Spoan é uma ferramenta potente de divulgação científica. As imagens e a narrativa, conforme destacou Silvana Santos, facilitam a compreensão a respeito das doenças genéticas raras e como a tradição de casamentos consanguíneos estão associadas a uma maior prevalência de pessoas com deficiência no Nordeste Brasileiro.
“Por outro lado, também mostra a relevância da pesquisa científica e do trabalho dos terapeutas ocupacionais para as famílias que convivem com essas doenças. Os professores que atuam na Educação Básica e em cursos de formação de profissionais da área da Saúde podem utilizar o documentário em suas aulas, facilitando a compreensão da genética e de sua importância na vida dessas pessoas. As decisões de casar ou não com um primo, ter ou não filhos, fazer ou não um teste genético, tudo isso perpassa pela melhor compreensão da nossa ancestralidade”, destacou a cientista da UEPB.
Há mais de 20 anos, a professora Silvana Santos estuda a ocorrência de doenças genéticas raras e sua relação com casamentos entre pessoas com parentesco próximo em áreas pobres do Brasil rural.
No caso da Síndrome Spoan que inspirou a BBC, ela conta que descobriu, por acaso, na rua onde morava, uma família com uma rara doença genética. Desde então, vem trabalhando em áreas remotas e pobres do Nordeste do Brasil para compreender a tradição dos casamentos consanguíneos e investigar as doenças genéticas que afetam essa população.
Por sua pesquisa, Silvana Santos foi escolhida pela BBC no fim de 2024 como uma das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo. A lista reconhece o talento, o potencial e a capacidade de criar, inovar e surpreender nas mais diversas áreas, contemplando, cientistas, como Silvana Santos, escritoras, atletas, ativistas florestais, cultura e dos direitos humanos, políticas, pediatras, cantoras, compositoras, engenheira, psicóloga, professora, cineasta, e até prêmio Nobel.
Silvana Santos é bióloga e doutora em Genética pela Universidade de São Paulo (USP) e é docente da UEPB desde 2008 quando ingressou no Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), mas atualmente integra o corpo docente do Centro de Ciências Biológicas e Sociais Aplicadas (CCBSA).
Repercussão do documentário
Assim que disponibilizado pela BBC News Brasil em seu canal no YouTube, o documentário recebeu centenas de comentários positivos nas primeiras horas on-line. Muitos internautas parabenizaram a professora pela pesquisa, dedicação e valorização ao conhecimento científico. O resultado de anos trabalho foi reconhecido pelas pessoas que, assim como Silvana, acreditam que a ciência pode contribuir para o desenvolvimento da sociedade.
Severino Lopes
Fotos: Mariana Castineiras (Divulgação)
Deixe um comentário