23 de set de 2024 às 12:16
O papa Francisco estará em viagem novamente de quinta-feira (26) a domingo (29), menos de duas semanas depois de terminar a viagem à Ásia e à Oceania, a mais longa de seu pontificado. Seu destino dessa vez é Luxemburgo e Bélgica.
A Europa Ocidental não foi o foco de atenção de Francisco, o primeiro papa do Sul Global, que prefere ir aos países em desenvolvimento e ao mundo não católico. No entanto, essa viagem será, em outro sentido, como uma visita às “periferias” que ele disse ser seu campo de missão.
Antes um bastião da cultura católica, a Bélgica, onde o papa passará a maior parte do seu tempo, exemplifica cada vez mais o Ocidente pós-cristão e secular. Cinquenta por cento dos belgas identificavam-se como católicos em 2022, uma queda de 16% em relação à década anterior, segundo a Conferência Episcopal Belga. Apenas 8,9% deles vão à missa, ao menos uma vez por mês. Os católicos têm que ir à missa ao menos todo domingo.
Nenhum aspecto da sociedade belga reflete essa mudança mais nitidamente do que sua adoção à eutanásia. A Bélgica foi o segundo país do mundo a legalizar a prática, depois da vizinha Holanda, em 2002. Doze anos depois, o país legalizou a eutanásia para menores, sem idade mínima especificada.
A prática cresceu de 235 casos em 2003 para 3.423 casos em 2023, segundo dados oficiais. O número recorde do ano passado representou um aumento de 15% em relação ao ano anterior. O motivo mais comum dado foi câncer, mas 89 pessoas foram mortas em 2023 devido a transtornos psiquiátricos ou transtornos cognitivos, como o mal de Alzheimer.
A visita do papa à Bélgica pode ser ocasião para abordar uma prática que ele já denunciou como reflexo de uma “cultura do descarte” cada vez mais comum em várias partes do mundo.
A eutanásia, ato médico de matar um paciente, é legalizada no Canadá, Colômbia, Equador, Luxemburgo, Nova Zelândia, Portugal, Espanha e na maior parte da Austrália.
O suicídio assistido, em que o próprio paciente toma drogas que o mata, sob supervisão médica, é legalizado na Áustria, Suíça e vários Estados dos EUA, como Califórnia, Nova Jersey, Washington e Colorado.
“A eutanásia é um ato homicida que nenhum fim pode legitimar e que não tolera nenhuma forma de cumplicidade ou colaboração, ativa ou passiva”, disse o dicastério para a Doutrina da Fé da Santa Sé em carta publicada em 2020. “Ajudar o suicida a matar-se é, portanto, uma ofensa objetiva contra a dignidade da pessoa que o pede, mesmo que se esteja realizando um seu desejo”, disse o mesmo dicastério em abril. Os dois documentos foram aprovados pessoalmente pelo papa Francisco.
Quando a Bélgica legalizou a eutanásia, a conferência episcopal do país denunciou a medida como “um ataque ao respeito fundamental pela vida humana”. Mas outras instituições católicas foram mais complacentes.
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Um estudo de 2006 da Universidade Católica de Leuven descobriu que mais da metade dos hospitais católicos na região de Flandres, Bélgica, permitiam a eutanásia, com mais de um quarto (mais de 25%) permitindo-a para pacientes que não estavam em estado terminal.
Em 2017, uma rede de hospitais belga afiliada aos Irmãos da Caridade, uma congregação religiosa católica, decidiu permitir a eutanásia de pacientes psiquiátricos sem doenças terminais. O Dicastério para a Doutrina da Fé da Santa Sé decidiu que a rede não poderia mais se identificar como católica e a congregação cortou seus laços com os hospitais.
No início do ano, o presidente da Sociedade Mutual Cristã, uma das maiores seguradoras da Bélgica e que tem raízes católicas, defendeu o relaxamento das regras atuais que permitem a eutanásia para pessoas com uma doença incurável ou com dor insuportável, para incluir quem simplesmente sentem que sua vida acabou. Ele mencionou os custos de cuidar da população da Bélgica que envelhece rapidamente em apoio a tal mudança.
A Conferência Episcopal Belga criticou a proposta, mas como a eutanásia cresceu em popularidade no país, eles tiveram que enfrentar o desafio de ministrar aos católicos que escolhem uma prática contrária à doutrina da Igreja. Num documento de 2019, a conferência episcopal do país disse que os capelães dos hospitais devem continuar a acompanhar os pacientes que escolhem a eutanásia, rezando por e com eles, embora “esse acompanhamento não seja de forma alguma uma aprovação” de sua decisão.
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O Dicastério para a Doutrina da Fé da Santa Sé disse em 2020 que um padre não pode administrar os sacramentos a pacientes que insistem na eutanásia, e que “aqueles que auxiliam espiritualmente essas pessoas devem evitar qualquer gesto, como permanecer até que a eutanásia seja realizada, que possa ser interpretado como aprovação dessa ação. Tal presença pode implicar cumplicidade neste ato.”
No entanto, alguns clérigos na Bélgica, como em outros lugares, mostraram mais leniência.
O padre Gabriel Ringlet, autor de um livro sobre “apoio espiritual até a eutanásia”, propôs que as pessoas criem rituais pessoais para o processo.
O bispo de Antuérpia, Bélgica, dom Johan Bonny,disse no ano passado que discorda do documento de 2020 do Dicastério para a Doutrina da Santa Sé “de que a eutanásia é sempre um mal intrínseco, não importa a circunstância. É uma resposta muito simplista que não deixa espaço para distinção”.
“Um pedido de eutanásia de um homem de 40 anos não é equivalente ao de uma pessoa de 90 anos enfrentando uma doença incurável”, disse dom Bonny. “Precisamos aprender a definir melhor esses conceitos e distinguir entre as situações”.
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